Papa pede mudança da ''arquitetura econômica'' e critica protecionismo
Em sua 1.ª encíclica social, Bento XVI diz ser necessário uma ?autoridade política mundial? e fala em reforma da ONU (Alexandre Gonçalves)
O papa Bento XVI publicou ontem sua primeira encíclica social - Caritas in veritate (A caridade na verdade) - propondo uma reforma da "arquitetura econômica e financeira internacional" baseada na liberdade pessoal e na responsabilidade ética. O anúncio ocorreu na véspera do encontro do G-8, que reúne os sete países mais ricos e a Rússia, a partir de hoje, na cidade italiana de Áquila.
Leia, na íntegra, a versão oficial em português do texto de Bento XVI
O papa alerta que a busca exclusiva do lucro acaba destruindo a riqueza, gerando pobreza, e aponta a recente crise financeira como exemplo. Os agentes econômicos deveriam, para ele, abrir-se ao princípio da gratuidade para garantir a própria sobrevivência do mercado.
Para mostrar qual é o conteúdo concreto deste princípio, Bento XVI utiliza exemplos. Critica o protecionismo agrícola e chama os países ricos a "recordar que (para os países pobres) a possibilidade de comercializar tais produtos (agrícolas) significa a garantia da sua sobrevivência". Ao mesmo tempo, afirma que "as sociedades tecnicamente avançadas podem e devem diminuir o consumo energético" antes das demais nações, pois reúnem as condições técnicas e humanas para isso.
Na mesma linha, o papa enumera compromissos que deveriam ser assumidos por empresários, trabalhadores, sindicalistas, consumidores, organizações não-governamentais, famílias e até grupos religiosos.
Bento XVI reconhece, no início do documento, que a caridade - outro nome do princípio da gratuidade - costuma ser considerada "irrelevante para interpretar e orientar as responsabilidade morais" na economia. Mas considera impossível qualquer tipo de desenvolvimento integral - e não apenas econômico - sem um novo humanismo que promova a solidariedade entre os homens e os povos.
O documento também sugere a necessidade de uma "autoridade política mundial" - dotada de um poder efetivo - para coordenar o processo de globalização. A instituição seria responsável por sanear economias atingidas pela crise, impedir seu agravamento, realizar um desarmamento integral, promover a segurança alimentar e a paz, garantir a proteção do ambiente e regular os fluxos migratórios. O papa afirma claramente a urgência de uma "reforma da Organização das Nações Unidas (ONU)".
O professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Antonio Carlos Alves dos Santos afirma que a encíclica não corresponde ao discurso tradicional de um teólogo católico. "Não apresenta uma condenação moralista da economia de mercado", afirma. Segundo Santos, Bento XVI não considera a economia de mercado um problema, mas a falta de critérios morais para a ação de agentes da economia. O documento defende, por exemplo, a reforma do mercado financeiro "depois da sua má utilização que prejudicou a economia real", mas não deixa de apontá-lo como um instrumento para "a produção de riqueza e desenvolvimento".
"As encíclicas anteriores valorizavam o papel do Estado na economia", aponta a historiadora e professora de Doutrina Social da Igreja do Centro Universitário da FEI, Marli Pirozelli Silva. "Bento XVI reconhece este papel, mas sublinha a subsidiariedade (o Estado atua quando pessoas e grupos são incapazes de resolver seus próprios problemas) e a solidariedade."
O coordenador do curso de economia da FAAP José Maria Ramos considera o papa alinhado às exigências da globalização. Ele recorda que os países do G-20, recentemente reunidos em Londres, apresentaram como primeira exigência do combate à crise a restauração da confiança. "Mas não apresentaram o caminho para restabelecer esse valor ético. O papa propõe um caminho."
TRECHOS DO TEXTO
"A crise obriga-nos a projetar de novo o nosso caminho, a impor-nos regras novas e encontrar novas formas de compromisso"
"É verdade que o desenvolvimento foi e continua a ser um fator positivo, que tirou da miséria milhões de pessoas (...). Todavia devemos reconhecer que o próprio desenvolvimento econômico foi e continua a ser afetado por anomalias e problemas dramáticos, evidenciados ainda mais pela atual situação de crise"
"Sente-se a grande urgência de uma reforma tanto da Organização das Nações Unidas como da arquitetura econômica e financeira internacional"
"As forças técnicas em curso, as inter-relações em nível mundial, os efeitos perniciosos sobre a economia real de uma atividade financeira mal utilizada e, em boa medida, especulativa, os grandes fluxos migratórios, com frequência provocados e depois não geridos adequadamente, a exploração desregrada dos recursos da terra, induzem-nos hoje a refletir sobre as medidas necessárias para dar solução aos problemas"
"A abertura à vida está no centro do verdadeiro desenvolvimento. Quando uma sociedade começa a negar e a suprimir a vida, acaba por deixar de encontrar as motivações e energias necessárias para trabalhar ao serviço do verdadeiro bem do homem"
"É importante sublinhar que o caminho da solidariedade com o desenvolvimento dos países pobres pode constituir um projeto de solução para a presente crise global, como políticos e responsáveis por instituições internacionais têm intuído nos últimos tempos"
"A globalização não é, a priori, nem boa nem má. Será o que fizermos dela"
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